A esta altura do campeonato, eu acredito que você já tenha entendido a importância da aprendizagem autodirigida, além de identificar as forças que atuam contra ela e as bases necessárias para praticá-la.
Mas é possível que, lá no fundo do seu ser, você ainda se questione: "mas será que isso tudo não é papo de maluco?"
Com esta aula, eu pretendo te mostrar que não.
A pedagogia tradicional sempre torceu o nariz para o aprendizado autodirigido. E isso ocorre não pela falta de evidências a favor dessa modalidade educativa, mas pela própria forma com que o campo pedagógico surgiu historicamente.
A escolarização em massa nasceu na Europa, durante a transição entre a Idade Média e a primeira Revolução Industrial. As primeiras redes de escolas foram criadas pela Igreja, como a rede de colégios La Salle, fundada em 1680 e existente até hoje.
Entre os séculos 17 e 19, as escolas foram evoluindo para chegar ao formato que predomina atualmente: ensino obrigatório, aulas expositivas, provas, professores explicadores, punições e recompensas, áreas do saber fragmentadas, disciplina e obediência, separação dos alunos por idade etc.
Com honrosas exceções, a pedagogia ao longo desse tempo serviu aos interesses das classes dominantes. Ainda que naquela época as escolas pudessem soar como o que havia de mais arrojado e inovador, o crescimento acelerado da escolarização tinha uma finalidade muito clara: moldar as pessoas para o que se esperava delas – tanto espiritualmente, no caso da igreja, como produtivamente, no caso do mercado.
A aprendizagem autodirigida não se encaixava nesse modelo. Por isso, foi ignorada e combatida pelos pedagogos, que ainda não entendiam os caminhos pelos quais o ser humano aprende naturalmente (muitos ainda não entendem).
Atualmente, diversos campos do saber nos ajudam a obter esse entendimento, dentre eles a biologia, a psicologia e a antropologia.
Um dos pesquisadores que até hoje mais contribuiu para reinserir o aprendizado autodirigido no mapa das ciências da educação é o psicólogo evolucionista americano Peter Gray, professor aposentado do Boston College. Abaixo, apresento algumas de suas principais ideias.
"Geneticamente, somos todos caçadores-coletores. A seleção natural nos moldou, ao longo de centenas de milhares de anos, para esse modo de existência. Os antropólogos descreveram apropriadamente o período em que fomos caçadores-coletores como o único modo de vida estável que nossa espécie já conheceu até hoje. A agricultura apareceu pela primeira vez no crescente fértil da Ásia Ocidental há meros 10.000 anos atrás, e em várias outras partes do mundo consideravelmente mais tarde. Essa invenção desencadeou um turbilhão cada vez maior de mudanças na maneira como os humanos viviam, mudanças que ultrapassaram em muito a velocidade da seleção natural, mudanças às quais tivemos de nos adaptar, da melhor maneira possível, com o maquinário biológico que evoluiu para atender às nossas necessidades como caçadores-coletores. Se tomarmos arbitrariamente um milhão de anos atrás como o início da história humana, então em 99% dessa história nós fomos todos caçadores-coletores". (Peter Gray)
A evolução opera em marcha lenta. São necessários milhares e milhares de anos para que a seleção natural atue reforçando na espécie as características que se adaptaram bem ao meio.
Se fosse um filme, a trajetória evolutiva da nossa espécie contaria predominantemente a história das tribos caçadoras-coletoras. Agricultura, patriarcado, revolução industrial, mundo digital, tudo isso apareceria apenas na última cena do filme.
Isso significa que nosso DNA ainda mantém muitos atributos dos nossos ancestrais do tempo das cavernas, apesar do meio ter se transformado radicalmente.
(Agora, em vez de ser um leão que nos causa uma descarga de adrenalina, é a temida entrevista de emprego)
Nesse sentido, uma pergunta interessante é como nossos antepassados caçadores-coletores encaravam o aprendizado. Afinal, nossa carga genética ainda é extremamente semelhante à deles.
Peter Gray, apoiado em diversos estudos da antropologia, aponta três características essenciais na educação dos nossos ancestrais: autonomia, compartilhamento e igualdade.
Quanto à autonomia especificamente – o ponto que a princípio mais nos interessa aqui –, Peter Gray afirma o seguinte: